Os ofícios de Cristo na Tradição Reformada (Parte 1) – As Confissões de Fé

Os ofícios de Cristo na Teologia Reformada são para quem?
Para Igreja, ou para todo o Mundo?
Afirmamos o primeiro, negamos o segundo.

Uma implicação da teologia de 1 só Reino Kuyperiana1 e também dos que advogam uma teologia de 2 reinos onde o Reino Meditatorial2 envolve todos os homens3, é que tal aplicação geral, implica nos demais ofícios de Cristo que ocorrem em conjunto com seu Reinado, serem aplicados também a todos os homens.
Sendo assim, Jesus seria não apenas Rei de todos, mas Profeta e Sacerdote de todos. À parte dos problemas bíblico-teológicos que podem ser levantados4 de tal implicação, foquemos na teologia histórica e dogmática5 da tradição reformada como um todo, incluindo dos Reformados Continentais, passando pelos Batistas Particulares e indo até os Metodistas Calvinistas.6

As Confissões Reformadas

Consensus Tigurinus (CT)
O primeiro texto a ser considerado, o CT, um documento datado de 1549 escrito por Calvino e Bullinger coloca que toda a atuação de Cristo como sacerdote e rei é para a sua igreja, o seu povo. Assim Jesus expiou os pecados da sua igreja pelo seu sacrifício e hoje intercede por nós, como também faz com que tenhamos acesso ao Pai em oração. E como nosso rei, Ele nos provê de todas as bençãos necessárias, com suas correções e seu poder.

Texto da Confissão:
Assim Cristo, na sua natureza humana deve ser considerado como nosso sacerdote, que expiou nossos pecados pelo único sacrifício da sua morte, e retirou todas as nossas transgressões pela sua obediência, provida de uma justiça perfeita para nós, e que agora intercede por nós, para que nós possamos ter acesso à DeusEle deve ser considerado como um rei, que nos enriquece com todos os tipos de bênçãos, nos governa e nos defende pelo seu poder, nos provê com armas espirituais, nos livra de todo mal, nos regula e guia pelo cetro da sua boca7

Primeira Confissão de Fé Batista de Londres de 1644 (CFBL1644)
A CFBL1644 foi a Primeira Confissão de fé Batista Particular, e ela afirma a mesma verdade, aplicando o aspecto da Mediação com ser Profeta, Sacerdote e Rei. Assim o ofício de Cristo como Mediador do Pacto da Graça é a causa e é em si mesmo os ofícios de Profeta, Sacerdote e Rei.
A Confissão ainda afirma que é da Igreja de Deus, da qual Ele é o mediador, sendo tais ofícios aspectos da sua mediação. Assim, Cristo nos dá o conhecimento dEle, nos reconcilia com Deus e nos faz perseverar até o fim. Cristo fez do seu povo, um sacerdócio santo, e não do mundo, e reina também sobre a sua Igreja de forma espiritual, embora o seu poder também seja exercido sobre os demais, porém, tal não como é o governo da sua igreja. O primeiro Ele o faz com o Rei para com seu povo, e o segundo o faz como um Rei que protege o seu povo e luta contra os inimigos dele, restringindo, limitando etc. Tal reino sendo consumado com o retorno de Cristo, onde os santos reinarão com Ele, como seus membros.

Texto da Confissão:
Jesus Cristo foi feito o Mediador de um pacto novo e perpétuo da Graça, entre Deus e o homem, sendo para sempre, de maneira perfeita e plena, o Profeta, Sacerdote e Rei da Igreja de Deus.8

Quanto a este ofício de mediador, isto é, o de ser Profeta, Sacerdote e Rei da Igreja de Deus, este ofício é somente de Cristo, que nem em parte, e muito menos em sua totalidade, pode ser transferido para outra pessoa.9

Este ofício para o qual Jesus foi chamado, é de três aspectos: Profeta, Sacerdote e Rei, e o fato de que são três é necessário: por causa de nossa ignorância precisamos dele como profeta; quanto ao nosso distanciamento de Deus, precisamos de seu ofício de Sacerdote para nos reconciliar com Ele; e quanto a nossa adversidade e inabilidade para retornarmos a Deus, precisamos de seu ofício de Rei para nos convencer, subjugar, atrair e preservar para seu reino celestial.10

Era imprescindível que Ele fosse Deus e homem para poder ser um Profeta em todo sentido da palavra, porque si não fosse Deus então não poderia compreender perfeitamente a vontade de Deus; e si não fosse feito homem, não poderia esclarecer a vontade de Deus aos homens em sua própria pessoa.11

Quanto ao seu sacerdócio, Cristo, havendo se santificado, apareceu uma só vez para tirar o pecado, e por este ato terminou de sofrer todos os ritos e sombras, etc., e agora tem entrado por trás do véu, até no Lugar Santíssimo, donde está a presença de Deus. Também fez de seu povo uma casa espiritual, um sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por meio dele. E o Pai não aceita outros adoradores além destes e Cristo não lhe oferece outros.12

Quanto ao seu ofício real, Cristo, sendo ressuscitado dos mortos e ascendido ao céu, tendo todo o poder no céu e na terra, tem governado espiritualmente a sua igreja e exerce poder sobre todos, anjos e homens, bons e maus, para a preservação e a salvação dos eleitos, superintendendo e destruindo seus inimigos. Por este poder real ele tem aplicado os benefícios, as virtudes e os frutos de sua profecia e sacerdócio a seus eleitos, subordinando os pecados deles, preservando e ajudando-lhes em todos seus conflitos contra Satanás, contra o mundo e contra a carne. Ele guarda seus corações na fé e no temor filial por seu Espírito. Por este, seu grande poder, tem reinado sobre os vasos de desonra, usando-os, limitando-os e restringindo-os, como lhe pareça bem a sua sabedoria infinita.13

Este reino será plenamente aperfeiçoado quando Ele vier pela segunda vez com glória para reinar entre seus santos; e para ser admirado por todos os que crêem; quando derrubará todo reino e autoridade e os porá sob seus pés; para que a glória do Pai possa ser plena e perfeitamente manifestada em Seu Filho, e a glória do Pai e do Filho em todos seus membros.14

Confissão de Fé de Westminster
A Confissão Puritana afirma a mesma doutrina, colocando Jesus como Mediador, Profeta, Sacerdote e Rei, sendo o cabeça da Igreja, remindo os seus membros, seu povo, sua semente, e também constituindo um governo de oficiais nela, os qual é distinto do governo dos magistrados civis, que opera no Estado.

Texto da Confissão:
Aprouve a Deus em seu eterno propósito, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho Unigênito, para ser o Mediador entre Deus e o homem, o Profeta, Sacerdote e Rei, o Cabeça e Salvador de sua Igreja, o Herdeiro de todas as coisas e o Juiz do Mundo; e deu-lhe desde toda a eternidade um povo para ser sua semente e para, no tempo devido, ser por ele remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.15

O Senhor Jesus, como Rei e Cabeça da sua Igreja, nela instituiu um governo nas mãos dos oficiais dela; governo distinto da magistratura civil.16

Declaração de Fé de Savoy (DFS)
A DFS em concordância com a CFW afirma o mesmo quanto aos ofícios de Cristo e sua ligação para com à igreja.

Texto da Confissão:
Aprouve a Deus, em seu eterno propósito, e de acordo com o pacto estabelecido entre ambos, escolher e ordenar o Senhor Jesus, seu Filho unigênito, para ser o Mediador entre Deus e os homens, o profeta, sacerdote e rei; a cabeça e Salvador da Igreja, o herdeiro de todas as coisas, e juiz do mundo; a quem, desde toda a eternidade, deu um povo para ser sua semente e para ser por ele no tempo remido, chamado, justificado, santificado e glorificado.17

Segunda Confissão de Fé Batista de Londres de 1689
Jesus é o mediador, e apenas Ele é o mediador entre Deus e os homens, mas sendo especificamente profeta, sacerdote e rei da Igreja. Isso é dito não quanto ao mundo, mas apenas quanto ao povo de Deus.

Texto da Confissão:
Este ofício de mediador entre Deus e os homens cabe exclusivamente a Cristo, que é profeta, sacerdote e rei da Igreja de Deus; e nem em parte nem totalmente pode ser transferido de Cristo para qualquer outrem.18


Confissão de Fé de New Hampshire (CFNH)
A CFNH afirma a necessidade da regeneração, do arrependimento e da fé, e nesse contexto, afirma também que temos de receber Cristo como nosso profeta, sacerdote e rei. Sendo algo pessoal, que cada um deve fazer. Dando a entender que Cristo que é o Senhor da Igreja, é profeta, sacerdote e rei dela, e de todos que fazem parte dela.

Texto da Confissão:
Cremos que o arrependimento e a fé são deveres sagrados, e também graças inseparáveis, operadas em nossas almas pelo Espírito regenerador de Deus; pelo que sendo profundamente convencidos de nossa culpa, perigo e incapacidade, e do caminho da salvação por Cristo, nós retornamos para Deus com contrição, confissão e súplica por misericórdia não fingidas; ao mesmo tempo recebendo genuinamente o Senhor Jesus Cristo como nosso profeta, sacerdote e Rei, e confiando nele somente como único e todo-suficiente salvador.19


Confissão de Fé dos Metodistas Calvinistas (CFMC)
A CFMC apresenta a mesma posição das demais confissões reformadas no assunto.
A Confissão expõe a doutrina de forma muito boa e apropriada, definindo Jesus como o Mediador da Nova Aliança, sendo o nosso Profeta, sacerdote e Rei. Declarando todo o conselho de Deus a nós por meio do Espírito Santo, levando os nossos pecados e nos dando a sua justiça (obedecendo passiva e ativamente), e nos dando salvação plena e completa não a todos os homens, mas apenas à sua Igreja, da qual Ele também é Rei e Cabeça Federal, onde Ele reina nas almas dos seus servos e administra a saúde espiritual do seu povo.
Ele também segue o seu ofício meditatorial agora, já exaltado, intercedendo por nós, pelos salvos, enviando o seu Espírito e governando a sua Igreja, da qual Ele é profeta, sacerdote e rei.

Texto da Confissão:
Jesus Cristo é o único mediador entre Deus e os homens. Ele é o Mediador da nova aliança (ou Testamento), um Salvador, Libertador. Pastor; ordenado em aliança de acordo com o bom prazer de Deus. Toda plenitude e aptidão gloriosa são encontradas nele, em virtude da grandeza de sua pessoa, sua eterna nomeação e sua unção com as graças e dons do Espírito Santo, sem medida. 
Ele cumpre este extenso ofício como Profeta, declarando Deus e todo o seu conselho e propósito na Sagrada Escritura, através dos instrumentos que ele usou; em seu ministério pessoal nos dias de sua carne; e na obra permanente de seu Espírito, através dos instrumentos e meios que ele designou para iluminar salvadoramente toda a sua igreja, concernente àquelas coisas que são necessárias para serem conhecidas a fim de salvação.
Como sacerdote, em seu estado de humilhação, em lugar de seu povo e sob a imputação de seus pecados, ele oferecia, por meio de sua obediência ativa e passiva, um sacrifício, uma oferta e uma expiação perfeitos e sem mancha para Deus. para toda a sua igreja. Em seu estado de exaltação, ele intercede no céu por todos os transgressores que lhe foram dados, a quem ele comprou com seu precioso sangue. Ele continuará a interceder até que veja o trabalho de sua alma e esteja satisfeito.
Como rei, ele é a cabeça sobre todas as coisas para sua igreja; regras sobre todas as coisas para o seu bem, sua continuidade e aumento; reúne e traz os pecadores em sujeição a si mesmo; reina graciosamente em suas almas; protege, defende e salva ao máximo todos os seus redimidos; e recompensa-os no final do curso.20

Cristo é Mediador em seu estado de exaltação: ele é o único caminho para o Pai, e através dele somente estão salvando bênçãos trazidas aos homens. Ele ainda cumpre todos os seus ofícios mediadores à direita do Pai; como sacerdote, ele aparece diante de Deus e intercede pelos transgressores; como profeta, ele envia seu Espírito e dá aos homens dons suficientes para ensinar seu povo; como rei, ele as governa e protege, e governa todas as coisas para o seu bem.21

A igreja mística é aquela que Deus amou, Cristo comprou, e o Espírito Santo santifica, e que Cristo apresentará a si mesmo uma igreja gloriosa, não tendo mancha ou ruga ou qualquer coisa semelhante. A verdadeira igreja pode ser apenas uma; porque “ela é uma”; e Cristo é seu único chefe, profeta, sacerdote e rei.22

  1. Embora Socino e seus seguidores tenham tido uma teologia igual. Falta leitura e Pesquisa profunda do autor quanto a extensão da posição Sociniana e sua ligação mais profunda com a leitura Kuyperiana ↩︎
  2. As Confissões Clássicas logicamente dividem os Reinos de Jesus em 2: Um que Ele o tem por ser Deus, juntamente com o Pai e o Espírito Santo (Sl 24), e o outro que lhe é próprio como Mediador (Mt 28) ↩︎
  3. Posição não majoritária, mas que foi tida por alguns ↩︎
  4. Tal posição tende à problemas arminianos e semipelagianos, tanto quanto a soteriologia, como também na Teologia do Pacto Remonstrante, embora essa segunda seja de grande desconhecimento atual ↩︎
  5. Cujo foco é no dogma teológico ↩︎
  6. Cobrindo assim as Confissões Reformadas do Século 16 ao 19 ↩︎
  7. Consensus Tigurinus, Art. 4 ↩︎
  8. Confissão de Fé Batista de Londres de 1644, Art. 10 ↩︎
  9. Ibidem. Art. 13 ↩︎
  10. Ibidem. Art. 14 ↩︎
  11. Ibidem. Art. 16 ↩︎
  12. Ibidem. Art. 17 ↩︎
  13. Ibidem. Art. 19 ↩︎
  14. Ibidem. Art. 20 ↩︎
  15. Confissão de Fé de Westminster, Cap 8, Art. 1 ↩︎
  16. Ibidem. Cap 23, Art. 1 ↩︎
  17. Declaração de Fé de Savoy, Cap 8, Art 1 ↩︎
  18. Confissão de Fé Batista de 1689, Cap 8, Art. 9 ↩︎
  19. Confissão de Fé de New Hampshire, Art. 8 ↩︎
  20. Confissão de Fé dos Metodistas Calvinistas, Cap. 16 ↩︎
  21. Ibidem. Cap. 17 ↩︎
  22. Ibidem. Cap. 35 ↩︎

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