João Calvino afirmou ou não a doutrina dos 2 reinos?
O Reformador João Calvino afirmou a doutrina dos 2 reinos, afirmando também, como é de posição clássica e de simples raciocínio, que o reino espiritual se dá para com a alma, e é eterno, e o outro reino e dá com os deveres humanos, horizontais, e que tem caráter temporal.
“Para que ninguém tropece nessa pedra, observemos em primeiro lugar que há um duplo regime do homem: um espiritual, mediante o qual se instrui a consciência na piedade e no culto de Deus; e outro político, pelo qual o homem é instruído em suas obrigações e deveres de humanidade e de educação que devem presidir as relações humanas. Em geral, costumam chamar-se “jurisdição espiritual” e “jurisdição temporal”, nomes muito apropriados, com os que se dá a entender que a primeira classe de regime se refere à vida da alma, e que outra se aplica às coisas deste mundo, não somente para manter e vestir os homens, mas também para prescrever leis mediante as quais possam eles viver com seus semelhantes santa, honesta e modestamente. Porque a primeira tem sede na alma, a outra em contrapartida, preocupa-se somente com os costumes exteriores. Ao primeiros, podemos chamar-lhe “reino espiritual”; ao outro, “reino político ou civil”. Temos de considerar cada uma dessas coisas em si, segundo as distinguimos: com independência uma da outra. Porque no nome há, por assim dizer, dois mundos, nos quais pode haver reis diversos e leis distintas. A distinção servirá para advertir-nos de que não devemos aplicar sem mais à ordem política o que o Evangelho nos ensina sobre a liberdade espiritual; como se os cristãos não devessem estar sujeitos às leis humanas segundo o regime político, pelo fato de que sua consciência é livre diante de Deus; como se estivessem isentos de todo serviço segundo a carne por serem livres segundo o espírito. Além disso, como pode enganar o homem até nas mesmas constituições que parecem pertencer ao reino espiritual, convém também que, mesmo nestas, distinga-se quais devem ser consideradas legítimas por estarem conformes à Palavra de Deus, e quais, pelo contrário, não devem de modo algum ser admitidas pelos fiéis. Com respeito ao regime político, falaremos em outro lugar.”1
- CALVINO, J. Instituas da Religião Cristã, Ed. UNESP, Tomo 2, Livro 3, Cap 18.5, p. 306 ↩︎