O Tríplice Amor de Deus

Demonstração da historicidade da posição comum quanto ao tríplice amor de Deus, e a diferença entre o amor a todos os homens e o amor exclusivo aos eleitos, na Teologia Reformada, do século 16-19

A Cristandade Reformada tem historicamente distinguido três aspectos do amor de Deus. Ele ama (1) toda a criação porque é sua criação, (2) todas as pessoas, porque foram feitas à sua imagem, e (3) os eleitos que Ele superlativamente ama com uma complacência total. 

Samuel Rutherford, séc 17

Nós então somos ensinados a reconhecer que não há amor em Deus que não seja efetivo em fazer o bem à criatura; não há amor de lábios, não há desejo puro de bem-estar à criatura que Deus não faça o bem. Então nós reconhecemos três tipos de amor que Deus tem para a sua criatura, todos os três tipos são como um ventre fértil, não há falha, não há esterilidade no ventre do amor divino.

1. Ele ama tudo que criou, ao ponto de lhes dar um ser, para conservá-los tanto tempo que Ele desejar. Ele desejou ter um sol, lua, estrelas, terra, céu, mar, nuvens e ar. Ele os criou a partir do ventre do amor e da bondade, e os mantém em seu ser. Ele não pode odiar nada que Ele fez.

2. Há um segundo amor e misericórdia em Deus, pelo qual Ele ama todos os homens e anjos, sim, mesmo seus inimigos, Ele faz o sol brilhar para justos e injustos, e faz cair o orvalho e a chuva sobre os campos do sanguinário e do enganador, os quais o Senhor aborrece, como Cristo nos ensina, Mt 5.43-38. Nem Deus falha neste amor. Ele deseja o Ser Eterno dos anjos e homens caídos; Ele envia o evangelho a muitos réprobos, e os chama ao arrependimento e com longanimidade e paciência suporta fragmentos de perversidade para preencher a medida da sua iniquidade, mas não que o amor geral de Deus esteja aquém do que Ele quer para eles.

3. Há um amor de eleição especial para a glória; muito menos Deus pode ficar aquém do que deseja quanto a finalidade deste amor.  Porque a obra da redenção prospera nas mãos de Cristo, mesmo para a satisfação da sua alma, a salvação de pecadores (toda glória ao Cordeiro) é uma obra promissora e bem-sucedida nas mãos de Cristo…

[Notas de Margem: 1 Nenhum amor de lábios, nem qualquer amor vazio em Deus, mas aquele que é efetivo e real para a realizar o bem que Ele deseja para a parte amada.

2 Um amor tríplice e eficaz em Deus. 3 O amor de Cristo da eleição não pode falhar.]

Christ Dying and Drawing Sinners to Himself, 1647, p. 440-42

Benedict Pictet, séc 17

Da bondade nasce o amor de Deus, pelo qual Deus é inclinado para as suas criaturas, e deleita-Se para fazer o bem a elas, e, por assim dizer, unidas a Ele mesmo com elas. Há três tipos deste amor que normalmente se atribui a Deus.

O amor da benevolência [boa vontade] é aquele pelo qual Deus é movido a querer algum bem às suas criaturas como uma criatura, sem qualquer consideração pela excelência [justiça] que possa ser encontrada nela. Este tipo de amor é o mesmo que pela sua bondade, e por ele, Deus, desde a eternidade, desejou o bem às sua criatura, ainda que indigna e merecedora de ódio. 

O amor de beneficiência [fazendo o bem] que é aquele pelo qual Deus faz o bem no tempo; esta expressão no tempo deve ser notada, que este amor pode ser distinguido do amor de benevolência, que é desde a eternidade.

O amor de complacência [com prazer] que é aquele pelo qual Deus é inclinado para a sua criatura que é justa e santa. Pelo primeiro tipo de amor, Deus nos elege, pelo segundo, Ele nos redime e santifica; pelo terceiro, Ele nos recompensa sendo santos. Deste último Cristo fala (João 14.21), “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele.” 

Christian Theology, translated by Frederick Reyroux in 1834, London, p 85

Francis Turretin, séc 17

Da bondade flui o amor pelo qual Ele comunica a si mesmo à criatura e (por assim dizer) deseja unir a si mesmo com ela e fazê-la bem, mas de diversas formas e níveis de acordo com a diversidade dos objetos. Em consequência disso normalmente é feita uma tripla distinção no amor divino: a primeira, a qual se segue às criaturas, chamada de “amor da criatura” (philoktisia); a segunda, aquela pela qual abrange a todos os homens, chamada de “amor do homem” (philoanthropia); a terceira, a qual é exercida especialmente entre os eleitos e é chamada de “amor dos eleitos” (eklektophilia). Pois na proporção em que a criatura é mais perfeita e mais excelente, ela também compartilha de uma maior abundância e derramamento (aporroen) do amor divino. Consequentemente embora o amor considerado efetivamente e por parte do ato interno seja igual em Deus (porque ele não admite aumento ou diminuição), ainda que considerando a eficácia (ou na parte do bem que ele deseja a alguém) seja desigual porque alguns efeitos do amor são maiores que outros.

Institutes of Elenctic Theology, Vol. 1 (Twentieth Question), p. 241. Art IV

John Gill, séc 18

Tudo que Deus faz é objeto do seu amor, todas as obras da criação, quando Ele as fez, Ele olhou para elas, e viu que elas eram boas, “muito bom”, (Gênesis 1.31), Ele estava bem satisfeito, e deleitado nelas; sim, Ele disse que “se regozija com as suas obras”, (Salmo 104.31) Ele sustenta todas as criaturas nos seus seres, e Ele é o conservador de todos, homens e animais, e é bom para todos, e suas misericórdias são ternas sobre todas as suas obras (Salmo 36.6, 145.9) e particularmente, criaturas racionais são objeto do seu cuidado, amor e deleite: Ele ama os santos anjos, e tem demonstrado este amor para eles em escolhê-los para felicidade, considerando que eles são chamados “anjos eleitos”, (1 Timóteo 5.21) por fazer Cristo cabeça deles, por quem eles permanecem no estado em que foram criados (Colossenses 2.10) e por admitir-los à sua presença, permitir que eles fiquem diante dEle, e perante a sua face, (Mateus 18.10) sim, mesmo os demônios, como sendo criaturas de Deus, não são odiados por Ele, mas como eles são espíritos apóstatas dele: e por isso  Ele possui um amor geral à todos os homens, como sendo suas criaturas, sua geração, e o trabalho das suas mãos, Ele as suporta, preserva e concede a generosidade da sua providência em comum sobre elas (Atos 17.28, 14.27, Mateus 5.45) mas Ele possui um amor especial para os homens eleitos em Cristo, o qual é chamado seu “grande amor” (Efésios 2.4) aquele que Ele tem escolhido e abençoado com toda as bênçãos espirituais nEle, (Efésios 1.3-4) e o qual amor é distinguido e discriminante (Malaquias 1.1, Romanos 9.11-12).

John Gill, A Body of Doctrinal Divinity, p.160

Outras citações quanto ao amor pela humanidade e amor pelos eleitos

A primeira Confissão Helvética, séc 16

O principal intento de toda a Escritura canônica é que Deus deseja o bem da humanidade, e que Ele tem declarado essa benevolência por meio de Cristo, Seu único Filho. Esta misericórdia chega até nós e é recebida pela fé somente, mas essa fé é efetiva pelo amor para nosso próximo. (Gn 3; Jo 3; Ef 2).

The First Helvetic Confession,  Art 5. The Objective of Scripture

A primeira Confissão de Basiléia, séc 16

E embora o homem tenha se tornado condenável e inimigo de Deus pela queda (Rm 5.16-18), no entanto Deus nunca removeu sua preocupação com a raça humana. Ele exibiu isto aos patriarcas (Gn 12.1, 14.19-20, 15.1 e noutros lugares onde o cuidado paterno e vários favores de Deus a Abraão e sua família são celebrados), nas promessas antes e depois do Dilúvio (Gn 3.15, 21.15, 26.3, 42.4, 28.13-15), e também na lei escrita por Deus através de Moisés e os santos profetas.

The First Confession of Basel, Article III, Of the Concern of God for Us, Concerning the Philanthropy [love-of-men] of God Toward the Fallen Human Race

João Calvino, séc 16

Embora Deus demonstre sinais deste amor por toda a humanidade em geral, toda a linhagem de Adão foi cortada dEle, até que sejam reunidas por meio de Jesus Cristo. Assim, embora o amor de Deus seja demonstrado para todos os homens pela virtude do fato de que nós fomos criados à sua própria imagem, e embora Ele faça o sol brilhar sobre todos, forneça alimentos para todos, e assista à todos, ainda sim não há nada comparado a esse amor especial pelo qual ele reserva para seu eleito, o seu rebanho. Isto não se deve a qualquer mérito que possa ser encontrado neles, mas antes porque Ele se agradou em fazê-los seus.

Sermons on Galatians, Sermon 2, 1:3-5, p. 18

John Knox, séc 16

“Depois dessas misericórdias comuns, eu digo, que os reprovados são geralmente participantes, Ele abre o tesouro das suas ricas misericórdias, as quais são mantidas em Cristo Jesus para seus eleitos. Tais como um voluntário deleite, não em cegueira, para que possa ver claramente que o Espírito Santo faz uma clara diferença entre as graças e misericórdias que são comuns a todos, e essa misericórdia soberana que é imutavelmente reservada para seus filhos eleitos.”

John Knox Work’s, Ed David Laing  (vol. 5, Wodrow Society, Edinburgh, 1856), On Predestination p. 87.  Citação compilada por Tony Byrne

Amandus Polanus, séc 16
‘O amor de Deus é a propriedade essencial ou essência de Deus, pela qual, deleitando-Se nela, Ele deseja as boas obras das quais Ele aprova.’ Deve ser distinguido em ‘o amor geral de Deus’, cujo objeto é toda a criação, de forma que ‘nenhum dos homens ou até mesmo demônios podem dizer que não é amado por Deus’; Deus odeia o pecado no ímpio, mas ama a natureza criada por Ele — e o ‘Amor Especial de Deus, pelo qual Ele peculiarmente procura e separa o eleito.’

Syntagma Theologiae Christianae, 2.122, citado por Heinrich Heppe, Reformed Dogmatics: Set Out and Illustrated from the Sources, p. 95.  A citação maior completa é de Heppe, as citações menores são encontradas em Polanus’.  Esta citação foi compilada por R. Andrew Myers.

Sinopse da Teologia Pura, séc 17

“Portanto eles são sonhadores ociosos que estendem o chamado gracioso de Deus para cada e todo ser humano [tal como os arminianos]. Porque eles misturam amor de Deus pela humanidade (pelo qual Deus acolhe todas as pessoas como suas próprias criaturas) com o amor pelo qual Ele ordenou que participem da sua graça um seleto número de pessoas da multidão comum de pecadores que perecem em seus próprios pecados, e guiá-los em Jesus Cristo, o Filho no qual Ele se deleita.”

Synopsis of Pure Theology, J. Polyander, Disputation 30, ‘On the Calling of People to Salvation’  in vol. 2 (Brill, 2016) pp. 217-9

The Westminster Annotations, séc 17

Que é a humanidade, porque Cristo fala não do do amor comum de Deus onde Ele deseja o bem da conservação [que sustenta a preservação] para a criatura; de forma que ele ama todas as criaturas… 

Westminster Annotations, on John 3.16 by Mr. John Ley 

Hugh Binning, séc 17

“Deus tem um amor geral para com todas as criaturas.”

Christian Love, (Edinburgh: Banner of Truth, 2004), p. 6

John Owen, séc 17

Sua filantropia e amor comunicativo, de sua própria infinita auto-satisfação, onde todas as criaturas, em todos os lugares, tempos, e estações, são preenchidos e satisfeitos, como de um oceano imensurável, são propostos a nós para dirigir o exercício dessa gota da natureza divina da qual somos confiados. 

John Owen, A Discourse Concerning Evangelical Love, Works, Church Peace, Chapter II

John Bunyan, séc 17

“Misericórdia e amor são vistos, em que Deus nos dá chuva e estações frutíferas, e em que Ele enche nossos corações com comida e alegria; daquela generosidade que Ele nos dá como homens, como suas criaturas.”

Light for Them That Sit in Darkness, in The Works of John Bunyan (Grand Rapids, MI: Baker, 1977)

John Trapp, séc 17

“E ao amor fraternal. Amor nós devemos a todos os homens, mas especialmente aos da família da fé; como nosso Senhor amou o jovem, mas não da mesma forma que Ele amou Lázaro.”

Comentário em 2 Pedro 1.7, John Trapp Complete Commentary

Wilhelmus à Brakel, séc 17

O amor da Sua benevolência ou é geral como relacionado a maneira em que Deus deleita nele, deseja benção, mantém, e governa todas as suas criaturas pela virtude do fato de que elas são suas criaturas (Ps 145.9) ou é especial. Este amor especial se refere a designação eterna de Deus dos eleitos serem objetos do Seu amor e benevolência especiais.

The Christian’s Reasonable Service I.3.33, Vol. 1 (1999 ed.), pp. 123-124

Matthew Poole, séc 17

“Como vosso Pai Celestial tem um amor comum, o qual Ele estende a toda a humanidade, em suprir suas necessidades, com a luz e calor do sol, e com a chuva, assim também com um amor e favor especial, das quais ele exerce somente sobre aqueles que são bons, e membros de Cristo, assim devíeis ter: embora você não esteja obrigado a levar os vossos inimigos aos vossos seios, ainda devíeis amá-los dessa ordem.”

Comentário em Mateus 5.45, Matthew Poole, English Annotations on Holy Bible, in Matthew 5.45

Abraham Hellenbroek, séc 18

“Questão. 35. Há quantos tipos de Graça?

Resposta: A comum,  quanto a todos os homens (Mt 5.45), e a particular  e salvífica quantos aos eleitos apenas (Rm 3.24).”

A Specimen of Divine Truths

James Fisher, séc 18

Questão . 138. Como a bondade de Deus é manifestada em sua providência? 

Resposta:. Em preservar suas criaturas, e fazer abundante provisão para elas, Salmo 145:9, 15, 16.

Questão. 139. Como essa bondade é demonstrada?

Resposta: Em Bondade Comum e Especial.

Questão. 140. Qual é a sua Bondade Comum?

Resposta: É seu ato de dispensar as boas coisas da vida, abundantemente entre suas criaturas, Mateus. 5:45 — “Ele faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos.”

Questão. 141. Deus é bom até mesmo com seus inimigos?

Resposta: Sim, porque Ele provê para eles. “dando-vos chuvas e tempos frutíferos” Atos 14:17; mas exercita paciência longânima sobre eles, Ne

9:17; e dá a eles que estão dentro da igreja os meios de salvação, Atos 13:26.

Questão. 142. O que é a Bondade Especial de Deus?

Resposta. É seu amor distinto a certo número da humanidade caída, manifestada em sua Redenção por meio de Cristo Ap. 5:9.

Commentary on Shorter Catechism, The Assembly’s Shorter Catechism Explained, By WAY Of Question And Answer

Charles Hodge, séc 19

Bondade, no sentido escriturístico do termo, inclui benevolência, amor, misericórdia e graça. Por benevolência é significado a disposição para promover felicidade; todas as criaturas sensitivas são seus objetos. Amor inclui complacência, desejo, e deleite, e tem seres racionais como seus objetos. Misericórdia é a amabilidade exercida para todos os miseráveis, e inclui piedade, compaixão, paciência e gentileza, das quais as Escrituras tão abundantemente atribuem a Deus. Graça é o amor exercido com os indignos. O amor de um santo Deus com os pecadores é o atributo mais misterioso da natureza divina. A manifestação deste atributo de admiração e beatificação de todas as criaturas inteligentes, é declarado ser o plano especial da redenção.

Systematic Theology, Vol. 1, p. 427

Traduzido de https://reformedbooksonline.com/the-three-fold-love-of-god/

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