A Igreja Primitiva observava a Ceia do Senhor diariamente?

A Igreja Primitiva observava a Ceia do Senhor diariamente?

Por Wayne Jackson

“É cada vez mais comum ouvir os cristãos argumentarem que a igreja do primeiro século, sob a supervisão dos apóstolos, observava diariamente a ceia do Senhor. Por isso, é alegado que não importa em que dia os cristãos participam dos elementos da comunhão. O tempo e a frequência são considerados assuntos facultativos. Por isso nos é pedido que comentemos sobre isso.”


O “Texto-Prova”

O principal “texto de prova” para este novo conceito é Atos 2:46.

“E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração,”

Alguns estão contendendo que esta passagem dá provas de que os santos primitivos partiam o pão, ou seja, participavam da ceia do Senhor, diariamente. A exegese subjacente a esta visão é falha em muitos detalhes.

  1. A expressão “diariamente” denota a frequência com que os discípulos se reuniam no templo. Gramaticalmente, não modifica “partir o pão”. Assim, mesmo que se pudesse estabelecer que “partir o pão”, no versículo 46, é uma alusão à ceia do Senhor, ainda não haveria provas de que a comunhão fosse um acontecimento quotidiano.
  2. O termo “partir o pão” nesta passagem não se refere à ceia do Senhor, mas sim a uma refeição comum, o que é evidenciado pelo fato de que eles são paralelos a “comer a sua comida” na mesma cláusula. A palavra “comida” traduz o trópico grego, que significa essencialmente alimento (Danker, et al., Greek-English Lexicon, 2000, p. 1017). O termo (empregado cerca de dezasseis vezes no Novo Testamento grego) nunca é usado da comunhão, pois tal não foi concebido para nutrir o corpo físico.

    Um comentário do académico presbiteriano Albert Barnes fala a este respeito:
  3. “Aqui [carne -KJV] significa todos os tipos de sustento; aquilo que os alimentou – trophes – e o uso desta palavra prova que ela não se refere à ceia do Senhor; pois essa ordenança não está representada em nenhum lugar como sendo concebida para uma refeição comum, ou para alimentar o corpo” (Commentary on Acts, p. 59).Em Atos 2:42 há uma referência aos discípulos “partir o pão”. Repare no artigo que precede o “pão” (não traduzido nas nossas versões comuns, mas presente no texto grego). O artigo indica que está em consideração um “pão” especial, ou seja, a ceia do Senhor (cf. Act 20,7 “o partir do pão” e 1 Coríntios 10,16 “o pão que partimos”).

    Entretanto, em Atos 2.46 não há nenhum artigo em conexão com “pão”, portanto uma distinção parece ser feita entre o “pão” de 2.42 e 46 (cf. A. Campbell, O Sistema Cristão, pp. 272-273). Muitos estudiosos não acreditam que a ceia do Senhor é referida em Atos 2.46 (cf. R.C.H. Lenski, A.T. Robertson, J.W. McGarvey, W. E. Vine, etc.).
  4. Há um contexto interessante mais adiante no livro de Atos que pode acrescentar alguma compreensão a este assunto. Perto da conclusão de sua terceira viagem missionária, Paulo tinha partido de Filipos depois dos “dias dos ázimos” – que vieram logo após a Páscoa judaica – (cf. Atos 20:6), e ele estava indo apressadamente para Jerusalém. Ele esperava chegar lá a tempo de Pentecostes – cinquenta dias depois da Páscoa (cf. 20:16).

    Apesar de ter ainda de fazer uma viagem de várias centenas de milhas, que poderia envolver condições de navegação difíceis, demorou sete dias em Trôade. Porquê? A conclusão mais razoável é a de que ele podia encontrar-se com os santos daquela cidade e observar a comunhão com eles. Burton Coffman observou:

    “Presumivelmente, este atraso de terça-feira até segunda-feira seguinte foi para permitir ao grupo missionário com Paulo observar a ceia do Senhor com a igreja em Trôade, uma inferência do fato de que nenhuma razão foi dada para o atraso, juntamente com o relato da reunião do dia do Senhor em Trôade imediatamente após mencionar o atraso” (Comentário sobre Atos, p. 384).Se este raciocínio estiver correto, a seguinte questão é inteiramente apropriada: se a comunhão era observada diariamente, ou se o tempo desta comemoração era opcional, que necessidade haveria de um atraso de uma semana? Esta é uma prova circunstancial para uma ceia do Senhor semanal (não diária).

O registro da história da Igreja

O testemunho dos escritos daqueles que viveram pouco depois da era apostólica dá um testemunho inequívoco de que a ceia do Senhor era observada todas as semanas ao domingo, e só nesse dia. No Didaquê (um documento escrito sobre 120 d.C.), é feita a declaração de que os cristãos “reúnem-se no dia do Senhor, partem o pão e dão graças” (7:14). Justino Mártir (c. 152) também fala de cristãos reunidos no domingo e participando da comunhão (Apologia I, 67).

No seu livro, Os Primeiros Cristãos Falam, Everett Ferguson observou que a literatura da era pós-apostólica indica que a ceia do Senhor era uma característica constante do culto dominical. Ele declara que não há provas do segundo século para a celebração de uma comunhão diária (p. 96).

Assim, deve ser concluído que não há autoridade bíblica para o novo conceito de que se pode participar da ceia do Senhor à sua própria discrição.

Traduzido de Jackson, Wayne. .Did the Early Church Observe the Lord’s Supper on a Daily Basis ChristianCourier.com. Access date: April 10, 2020

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