Sola Ecclesia: A doutrina perdida da Reforma

SOLA ECCLESIA:  A doutrina perdida da Reforma
Michael J.Glodo


Com qual das seguintes declarações você mais está de acordo?

  • “Todo dia pessoas se afastam da igreja e se voltam para Deus.”
  • “Longe da Igreja não se pode esperar perdão de pecados e salvação.”

Para a maioria dos Cristãos Evangélicos a primeira declaração pode precisar de certo equilíbrio, mas a segunda soa extremamente Romanista. Se isto descreve a sua reação, então a sua eclesiologia está mais próxima do autor da primeira, Lenny Bruce, que o autor da segunda, João Calvino(Institutas 4.1.1). Bruce, sátiro da religião organizada e inimigo da hipocrisia, um comediante notável pela sua vulgaridade e impiedade, nunca expressou uma avaliação comum contemporânea de religião organizada, enquanto a declaração de Calvino parece trair seu papel como um dos principais catalisadores da Reforma Protestante.

Enquanto a maioria de nós irá admitir que a igreja é de vital auxílio na alimentação de pessoas na fé, alguns de nós podem ir tão longe quanto a declaração de Calvino. Nós temos visto morte e apostasia na maior parte da igreja visível. Nós temos assistido egocentrismo — letargia e lutas internas na Igreja se tornando um obstáculo para o mundo. Nós aceitamos e endossamos ministros do evangelho que operam fora da Igreja. Nós acreditamos profundamente na doutrina central da reforma da salvação por graça através da fé somente, e não por se associar a Igreja. Mas a questão não é uma visão arcaica, hierárquica e colonial da igreja. O centro do assunto é a própria natureza do evangelho.

Eu convido você a reconsiderar o seu entendimento do Evangelho sobre um melhor entendimento da Igreja e a conexão bíblica entre os dois.

“Evangelho” significa boas novas. Mas boas novas de quê? Gramaticalmente, “evangelho” requer um genitivo. Se eu dissesse a você “Eu tenho boas novas”, você me perguntaria ao que essas boas novas se referem. Popularmente, as pessoas acreditam que boas novas é um conjunto de  diferentes coisas — Jesus morrendo pelos pecados, graça, justificação, adoção, reconciliação, e paz com Deus. Alguns responderiam que essa boa nova é “receber Jesus no seu coração” ou “aceitar Cristo como seu salvador pessoal”¹. Biblicamente, boas novas é as boas novas do reino de Deus. As coisas mencionadas acima são implicações da vinda do Reino. Biblicamente, a resposta é se arrepender e crer que as boas novas do reino que veio em Cristo.

Lucas escreveu “A lei e os profetas duraram até João; desde então é anunciado o reino de Deus,”(Lucas 16.16). Em Atos, geralmente citado como um puro modelo de evangelismo e de vida da igreja, o Reino de Deus era o conteúdo da pregação apostólica(Atos 8:12, 14:22, 19:8, 20:25, 28:23;31).Todas outras descrições do Evangelho no Novo Testamento é uma consequência do Reino sendo inaugurado no ministério de Jesus.²

Uma vez que nós entendemos que o evangelho é sobre o reino, nós devemos perguntar a nós mesmos “O que é o reino de Deus?”³ No seu nível mais básico, o Reino é o reinado e governo de Deus administrado sobre Jesus Cristo. As boas novas é que este Reino tem sido trazido através de Cristo. Vendo a inquebrável conexão entre Evangelho e Reino, nós também vemos quanto os ofícios de Cristo como Salvador e Senhor são inseparáveis. Se arrepender e crer no Evangelho é reconhecer que Cristo é rei, se submeter ao conselho dele, ser governado pela sua dispensação de misericórdia, justiça, e amor.

Mas como Cristo rege seu Reino? Como Ele administra o seu reinado? Ele o faz através da Igreja, quais ele tem dado as chaves do Reino (Mateus 16:19), os dons ministeriais (Efésios 4:8), sua própria voz de pastor na pregação da palavra (Romanos 10:14;17), o cuidado de seus fiéis pastores (1 Pedro 5:1-5) e os meios de Graça (Atos 2:42). Estar sem a Igreja é estar em desacordo com o Domínio de Cristo — sua proteção, provisão e doce disciplina.

Portanto, a visão de Calvino da Igreja não é Romana, especulativa ou cultural. É bíblica. E assim a confissão é completamente bíblica ao dizer que “A Igreja visível … é o Reino do Senhor Jesus Cristo, a casa e família de Deus, fora da qual não há possibilidade ordinária de salvação”(Confissão de Fé de Westminster, 25.2).

Nós devemos, é claro, fazer uma distinção bíblica entre a Igreja Visível e Invisível. Mas a invisível não pode ser vista. Não há batismo invisível, ceia do Senhor invisível, pregação da Palavra, disciplina, ou Sabbath (Dia do Senhor). Nós devemos também notar com cuidado o sentido de “ordinário”. Mas este termo qualifica a doutrina em termos do que Deus pode ser satisfeito em fazer a parte das suas prescrições para nós, não o que nós podemos optar a fazer por variar delas.

A pessoa que diz, “Eu sou um membro do Reino de Deus, não da religião organizada” é intrinsecamente contraditório. Como nós sabemos que tal pessoa é realmente convertida? Neste caso, como ele ou ela sabe? Eles recusam a administração apontada por Cristo do seu Reino e, assim, se levantam contra o seu reinado. Por esta razão, ninguém pode assegurar a salvação indefinidamente se ele permanece fora da Igreja, ainda mais se ele persiste numa dura resistência ao reinado de Cristo. Ele pode ter fé salvadora, mas ter nenhum dos meios de assegurá-la. Paulo escreveu, “Mas a Jerusalém de cima é livre, ela é a nossa mãe” (Gálatas 4:26) Por isso, Cipriano escreveu, “Ninguém tem Deus como seu pai sem a Igreja como a sua mãe.”4


Na medida em que fomos influenciados pela pela visão baixa do evangelicalismo (evangelicalism’s low view) da Igreja, nós devemos desistir da nossa eclesiologia Lenny Bruce. Muitos de nós inconscientemente temos adotados um ponto de vista similar ao clássico liberalismo do século 20. Como Ridderbos descreveu essa visão, “a  teologia liberal declarava que, como uma reunião de crentes com uma certa quantia de organização, a Igreja está inteiramente fora da visão de Jesus”5

A única diferença é que o liberalismo viu a Igreja visível exaltada no Novo Testamento e acusavam a Igreja de adicioná-la ao ensino de Jesus, enquanto os evangélicos simplesmente não a viram exaltada.

Retomar a doutrina da Igreja irá mudar como nós plantamos e promovemos nossas igrejas. Como uma versão eclesiástica da Uncola 7-Up®, muitos comercializam as sua igrejas como as “não igrejas”, igrejas não como qualquer igreja que o procurador conheceu. Uma congregação proeminente numa conservadora, denominação ortodoxa uma vez colocou outdoors pela interestadual em sua comunidade afirmando “Jesus também odeia a igreja”. Mas pelo contrário, ele a ama e se entregou por ela(Efésios 5.25-27). Do mesmo jeito que, quando jovem, eu tinha vergonha de ser visto com meus pais de 50 e alguma coisa, aqueles evangelistas estão envergonhados de serem associados com a retrógrada mãe dos crentes e esposa de Cristo.6Mas retornando a uma visão bíblica da Igreja e sua primazia para vida com Deus irá ajudar nos de diversas formas específicas.

Primeiro, isso irá reformar o evangelho que nós pregamos. Nós iremos oferecer às pessoas as mesmas boas novas que Jesus ofereceu. A Grande Comissão não é apenas evangelismo, é a extensão do reino eterno de Cristo sobre o ensino e batismo da Igreja.

Segundo, nós iremos estimular pessoas professas se unam com a Igreja para serem, selados e nutridos tal que eles possam descansar sobre a  segurança de Deus, não sobre algo meramente subjetivo, mutável, e não bíblico. Todos nós conhecemos a palavra que descreve uma criança que nasce sem um pai. É uma palavra cruel, refletindo não sobre a criança, mas sobre os pais. Nós devemos parar de recomendar as pessoas  a família monoparental de Deus como Pai, sem a igreja como mãe e sua consequente bastardização dos crentes.

Terceiro, nós seremos atraídos ao evangelismo doxológico, onde o povo de Deus demonstra publicamente suas afeições arrebatadas para seu Redentor de uma maneira que atrai as nações para a cidade que tem fundações (Hebreus 11:10; Salmo 67, Isaías 2:2-3, 1 Coríntios 14:24-25). Nós iremos parar de dividir a Deus, colocando sua glória e evangelismo em desacordo.

Quarto, nós iremos reviver a disciplina da igreja, em ambos sentidos, instrucional e judicial.

Esta marca menos praticada da verdadeira Igreja é essencial para dar sentido a membresia da igreja. Isso irá incluir a manutenção de roteiros de igrejas honestos e resgatar o números de membros do seu lugar como a estatística mais duvidosa da cristandade.

Quinto, nós iremos recuperar os meios de graça — a palavra, os sacramentos e a oração —  como provisão de Cristo para nossa vida com Deus (Catecismo menor de Westminster, 88-98). Nosso povo irá preza-los pelo que eles são — ordenanças de vida — e amar a Cristo por dá-los a Igreja. Isto inclui a apresentação fiel, frequente e pública da Palavra visível —  os sacramentos — com a ceia reservada, que relembra um dos grandes abismos entre o reino deste mundo e o próximo, e com exortações aos crentes a melhorarem seus batismos. Como um colega ministro uma vez perguntou a outro que somente tinha comunhão num “serviço de crente” de meio da semana, “Você acha que isso agrada nossa Senhor que você oculta seu corpo e sangue?”.

Sexto, nós não abandonaremos a evangelização de nossos membros. Sabemos que há joio entre o trigo. Enquanto todo crente precisa do Evangelho para santificação, nós não iremos esquecer que há aqueles membros que ainda não o tem recebido para justificação.

Finalmente, nós evidenciaremos o poder de mudar o mundo que os Cristãos supostamente têm. Como Edmund Clowney disse:

“A Igreja, entretanto, como a comunidade do Reino de Deus, pode mostrar ao mundo uma integridade ética que ele deve respeitar. Quando Pedro descreve (1 Pedro 2:12) o impacto das ações justas dos cristãos num mundo pagão, ele não está falando de santos isolados, mas do povo de Deus, chamados das trevas para luz de Deus. O testemunho cristão que se limita a experiência religiosa privada não pode desafiar o secularismo”7

Porque o verdadeiro avivamento não é uma experiência individual, é o avivamento da Igreja de Cristo. Não só o Evangelho precisa incluir a Igreja para ser o Evangelho, mas é somente na Igreja onde Deus terá a glória eterna para a qual o evangelho é proclamado às nações (Efésios 3:20-21). Um evangelista verdadeiro também deve ser um verdadeiro eclesiástico(homem de Igreja). Nós propagamos o Reino apenas a medida que nós ampliamos a Igreja.

[O] Reino começou quando Jesus entrou em seu ministério público. Seu trabalho na terra, incluindo sua morte, era parte dessa realização. Os discípulos estavam nele, e toda a história subsequente da Igreja é a história da sua gradual extensão. Nós mesmos podemos atuar em nossa parte em seu movimento ascendente e sendo membros dele como uma organização presente.8

Se nós realmente amamos pecadores, nós amaremos Cristo e vice versa. Mas ambos envolvem uma terceira necessidade — amar a Igreja dEle, o reino de Cristo na terra.


Notas

  1. Apesar de eu ter usado aquelas expressões no passado, eu honestamente não posso encontrar apoio para elas na Escritura.
  2. Contrário ao dispensacionalismo clássico, o novo testamento ensina a igreja que Cristo trouxe o Reino pela sua morte/enterro/ressurreição — e não que ele foi atrasado pela rejeição dele (veja, e.g., Luke 11:20).
  3. Para o tratamento clássico do assunto, veja Herman Ridderbos, The Coming of the Kingdom (Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian & Reformed, 1982).
  4. For evidence of the antiquity and pervasiveness of this high view of the Church, see John R. Muether, “A Sixth Sola?” Modern Reformation (July/August 1998), 24-28.
  5. Coming of the Kingdom, 335.
  6. Para um tratamento mais amplo do assunto, veja meu artigo, “An End to Generational Segregation in the Congregation,” Modern Reformation, (Jan./Feb. 2000), 28-33.
  7. The Church (Downers Grove, Illinois: InterVarsity, 1995), 16 (emphasis his).
  8. Geerhardus Vos, The Kingdom of God and the Church (Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed, 1972), 27.

Autor

Rev. Michael Glodo, M.Div., Th.M., Ph.D. candidato, formalmente professor assistente de Antigo Testamento e Homilética no Seminário Teológico Reformado de Orlando, Flórida, até (Junho 2000) se tornar escrivão declarado da Igreja Evangélica Presbiteriana, Livonia, Michigan. Ele e sua esposa, Vicki, tem dois filhos. Para mais informações sobre o autor e sobre o assunto deste artigo, você pode escutar a sua série de sermões, “Glória na Igreja” acessando www.thirdmill.org e clicando em “Magazine Online.”

Traduzido de: https://www.the-highway.com/articleApr06.html

 

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